Adão Damasceno Paz e Luís Bernardo de Morais,
assassinaram e estruparam envergando o uniforme da FEB
A HISTÓRIA DE DOIS PRACINHAS QUE QUASE
FORAM PARA O
PELOTÃO DE FUZILAMENTO POR HOMICÍDIO E
ESTUPRO
Na atualidade, passados mais de sete não décadas do fim da Segunda Guerra
Mundial, a visão que a maioria do povo brasileiro possui da FEB – Força
Expedicionária Brasileira, e de sua ação nos campos da Itália é muito
positiva.
Primeira e até hoje única força de combate latino-americana a lutar em solo
europeu, a ação da FEB está registrada em inúmeros livros de memória,
documentários e filmes que enaltecem a participação de simples brasileiros, a
maioria deles saídos dos campos de um país ainda prioritariamente agrário, para
combater no maior conflito da história da humanidade.
Aqueles que lá estiveram merecem ter por parte dos familiares, amigos, das
autoridades e de todos os brasileiros o amparo, apoio e atenção pelo que fizeram
nos campos de combate.
Mas nem todos cumpriram com o seu dever.
SEGUINDO PARA A GUERRA
Em 1942, em meio aos vários afundamentos ocasionados pela ação de submarinos
alemães e italianos e a mortes de muitos brasileiros, o sentimento provocado por
estas tragédias fez com que o povo apoiasse sem contestação a ida de nossas
tropas para lutar contra os nazifascistas.
Manchete comum na época da guerra e que revoltava o
povo brasileiro
Homens e mulheres de várias partes do país foram convocados e aceitaram o
compromisso de envergar o uniforme das nossas forças armadas para ombrear-se com
outras nações aliadas pelo fim do conflito.
Muitos jovens, que anteriormente sequer conheciam algo além da vila mais
próxima da fazendinha em que viviam com seus familiares, que utilizavam a enxada
como instrumento de trabalho e o chapéu de palha para se protegerem do sol,
foram deslocados para outras terras, onde existiam outros sotaques e outros
pensamentos. Lá vislumbraram novos horizontes, receberam o fuzil para realizar o
seu novo ofício e colocaram o capacete de aço na cabeça.
Essa situação, extremamente comum dentro das fileiras da FEB, se repetiu com
Adão Damasceno Paz e Luís Bernardo de Morais, ambos agricultores e oriundos
respectivamente da regiões rurais das cidades gaúchas de Santiago e São
Borja.
O presidente Vargas visita soldados brasileiros no
navio transporte que os levou a Itália
Eles seguiram para o Rio de Janeiro, então capital do país, onde iniciaram um
forte e pesado treinamento, aguardando o momento de embarcarem para além mar.
Nos momentos de folga os dois rapazes seguiam a conhecer as belezas e o mundo
novo que existia na cidade maravilhosa.
Em 2 de julho de 1944, Adão e Luís estavam dentro de um enorme navio como
membros do primeiro escalão da FEB e junto a eles estavam milhares de pracinhas
vindos de todas as partes do país.
PROTEÇÃO DO GENERAL MASCARENHAS DE MORAIS
Não sei se os dois agricultores se conheceram ainda no seu estado de origem,
apesar das suas cidades serem muito próximas, ou no campo de treinamento no Rio,
ou ainda no navio transporte que os levou a Itália. Mas na pátria de Dante
Alighieri, aonde chegaram a Nápoles no dia 16 de julho de 1944, consta nas
informações apuradas que os dois homens foram designados para uma função na FEB
que muitos consideravam de extrema honra e importância. Eles ficaram lotados no
Pelotão de Defesa do Quartel General, compondo a guarda pessoal do comandante
da 1ª Divisão de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira, o general João
Batista Mascarenhas de Morais.
Juntos na Itália os generais Mark Clark (esq.) e
Mascarenhas de Morais (dir.)
Segundo a narrativa dos dois ex-militares, que se encontra na edição da
“Revista da Semana”, de 16 de julho de 1949, trabalhar na proteção do general
Mascarenhas de Morais não era tarefa fácil, pois o comandante estava sempre em
deslocamento por toda área de atuação das FEB no norte da Itália.
A todo o momento aconteciam deslocamentos do general, onde durante quatro
meses, nas próprias palavras de Luís Bernardo de Morais, os dois rapazes
protegeram o general Mascarenhas em suas viagens a linha de frente. Para eles
era muito fatigante, pois “o general não parava”.
O general Mascarenhas de Morais recebendo frutas de uma
camponesa italiana
A reportagem de 1949 não comenta nada disso, mas devido à atividade a qual
Adão e Luís estavam designados, acredito que eles não entraram efetivamente em
combate contra as forças nazifascistas.
Até porque ao general Mascarenhas cabia à função de comandar sua tropa,
recebendo ordens do general norte-americano Mark Clark, então comandante do 5º
Exército, força militar aliada a qual a nossa FEB estava subordinada na Itália.
Não cabia ao general comandante da Força Expedicionária Brasileira se expor
desnecessariamente as balas inimigas, ou arriscar uma desastrosa captura e criar
sérios entreveros a participação brasileira naquele cenário.
A VERSÃO DOS CRIMINOSOS PARA A IMPRENSA
Em meio a estas andanças, em um dia de folga, segundo eles “Lá pelos lados de
Porretta”. Informaram também que passaram dos limites no consumo de álcool, que
era franco e facilmente encontrado. Alterados pela bebida, os dois rapazes se
sentiram estimulados a procurarem mulheres e saciarem suas vontades sexuais.
Capa da Revista da Semana onde está a reportagem sobre
o caso – Fonte – BN
Na reportagem da “Revista da Semana”, Adão e Luís comentam que a miséria na
Itália era intensa e a fome grassava impiedosamente entre os seus habitantes.
Premidas pela necessidade, segundo os dois pracinhas, as moças italianas davam
preferência aos soldados norte-americanos, mais ricos e com mais comida.
Afirmaram que havia uma casa onde eles sabiam que havia “jovens italianas”
que saiam com soldados da U.S. Army. Alterados e encorajados pela bebida, os
dois brasileiros foram em busca das jovens, desejosos de receberem os mesmos
favores que eram dispensados aos estadunidenses.
Tropas americanas junto a população civil italiana
durante a Segunda Guerra
Na matéria os dois soldados pareceram ficar particularmente irritados com a
atitude dos soldados gringos, que passavam acintosamente na frente dos militares
brasileiros, levando mais de uma destas mulheres. Percebe-se que eles tinham uma
certa inveja dos americanos.
A reportagem não diz o número exato de mulheres que estavam no local, mas
informa que os dois soldados brasileiros entraram na casa a noite, armados de
submetralhadoras.
Surpresas, as italianas não tiveram como reagir e durante meia hora os
brasileiros praticaram várias sevícias contra elas.
Enquanto um montava numa das vítimas o outro ficava de guarda. Nisso Luís
ouviu um barulho, saiu para ver o que ocorria e percebeu o vulto de um homem que
se aproximava. Em meio gritaria que se formou, ele apagou as luzes do recinto e
metralhou a estranha figura.
Os dois soldados brasileiros fugiram pela praça principal deste lugarejo
próximo a cidade de Porreta e correram por mais de meia hora, até terem a
certeza que não eram perseguidos.
Aqui vemos Luís, Adão e o jornalista Hélio
Fernandes
Ao repórter da “Revista da Semana”, Hélio Fernandes, Adão e Luís afirmaram
que logo o comentário do ocorrido no lugarejo italiano foi intenso. Em pouco
tempo o pessoal do pelotão da Polícia do Exército incorporada a FEB, comandado
pelo 1º tenente José Sabino Maciel Monteiro, estavam recebendo informações sobre
a situação e os dois militares foram capturados.
A VERSÃO DA JUSTIÇA MILITAR
A reportagem da “Revista da Semana” é muito falha em termos de detalhes, além
de extremamente tendenciosa, que pudesse esclarecer mais sobre este assunto. Mas
no trabalho de conclusão de curso realizado em 2003, pela historiadora Carolina
Mendes Pereira, da Universidade Federal do Paraná, e intitulado “Delitos sexuais
cometidos pelos soldados brasileiros em campanha na Itália durante a Segunda
Guerra Mundial: do estupro e homicídio ao indulto” (ver http://www.historia.ufpr.br/monografias/2002/carolina_mendes_pereira.pdf)
e no próprio Boletim do Exército nº 13, de 31 de março de 1945 (páginas 948 a
953), nos excertos do Parecer n. 8 da Procuradoria Geral (transcritos no blog http://froilamoliveira.blogspot.com.br/2011/10/condenado-morte.html),
encontramos informações bem mais detalhadas sobre o caso.
Adão em sua cela
Os dois brasileiros confessaram, segundo o Boletim do Exército, “friamente e
com abundância de detalhes” que o fato ocorreu na pequena aldeia medieval de
Madognana, distante quase quatro quilômetros da comuna de Granaglione, província
da Bolonha, na região italiana da Emilia-Romagna, nordeste daquele país e não
muito distante da cidade de Porretta-Termi.
Segundo o trabalho de Carolina Mendes Pereira, os soldados avistaram a
vítima, a menor Giovanna Margelli, com 15 anos de idade, por volta das 16 horas,
enquanto esta passeava pela rua acompanhada da jovem Vittoria Mendola. Os
pracinhas brasileiros seguiram as duas garotas até a casa em que Giovanna estava
hospedada e onde ambas haviam entrado.
Quadro típico de uma localidade italiana da região
próxima a Magdonana, onde ocorreram os crimes
Inicialmente a dupla se limitou a agradar as pessoas que ali estavam,
oferecendo um pedaço de chocolate e dirigiram algumas poucas palavras. De forma
vil e dissimulada declararam que não tivessem medo “pois os brasileiros eram
bons”, fizeram mais alguns comentários e se retiraram, afirmando que iriam
entrar em serviço.
“QUERIA PEGAR A MULHER”
Ao Boletim do Exército informaram que logo após o jantar muniram-se de
metralhadoras portáteis e dirigiram-se a casa onde já haviam estado à tarde, em
procura de uma mulher, que segundo informaram lhes “tinha feito cara feia”.
Luís acompanhando as notícias sobre as praias
cariocas
Na noite de inverno rigoroso os soldados entraram na casa de número 231, às
20h30 de 9 de janeiro de 1945, “movidos por intuitos que não deveriam ser de
natureza nobre”, pois seguiram para o seu intento utilizando o chamado ”passa
montanha”, gorro com abertura apenas nos olhos.
Neste segundo momento naquela casa, os moradores convidaram-nos a entrar e a
aquecer-se junto ao fogo, talvez esperançosos de receber alguma migalha que lhes
mitigasse a fome. Encontraram na residência Giovana, a prima Tonina, de 23 anos,
o filho de Tonina, Ferdinando, de 3, os primos Stefano, de 20, e Giuseppe, de
14, e a avó doente, Maria Rita.
A seguir Adão Damasceno disse a Luís Bernardo que era melhor apagar a luz
de uma lamparina a querosene dizendo “Vamos apagar a luz de uma vez para pegar a
mulher no escuro”, esta era Giovanna Margelli. Consta no Boletim do Exército que
Luís repetiu a ordem de apagar a luz para Stefano, mas o rapaz não entendeu. O
soldado da FEB então deu uma rajada de metralhadora que destruiu a lamparina e
todas as pessoas, menos Giovanna, fugiram atemorizadas. Adão conduziu a jovem
para o quarto e passou a saciar os seus “instintos carnais”.
Adão com um companheiro de cadeia
Para facilitar a conclusão deste crime covarde, Luís ficou de guarda em uma
porta onde ficava de olho no movimento fora do recinto.
Certamente alertado pelos disparos e pelo terror transmitido por quem
conseguiu fugir, Leornado Vivarelli, de 57 anos, tio da jovem que estava sendo
estuprada, veio em seu auxílio completamente desarmado. Ao ser visto pelo
soldado brasileiro este não pestanejou e disparou uma rajada de balas que
atingiu o idoso no pescoço e no ouvido. Após o assassinato Luís gritou:
“Apressa-te (Adão) que já matei um homem”.
Stefano sustentou outra versão. Afirmou que ouviu o soldado gritar: “Andare
via (vá embora)!”. “Após uns segundos, ouvi a descarga de metralhadora. Depois,
o silêncio.
No depoimento os soldados disseram que, à exceção de Giovanna, todos
“fugiram”. O jovem Giuseppe deu outra versão. Relatou que foi trancado no
banheiro por Luiz Bernardo e depois empurrado a um quarto, onde foi obrigado a
pular da janela. O soldado ainda teria disparado, sem acertá-lo. Todos relataram
que Adão agarrou Giovanna. Ela pediu socorro a Stefano, que alegou nada ter
feito por estar desarmado.
Em meio a confusão os soldados inverteram os papéis. Adão foi fazer
sentinela. Luiz Bernardo seguiu para o quarto, onde passou meia hora com
Giovanna. Depois, disse a Adão que a havia violentado. Mas admitiu em
depoimento, versão confirmada pela jovem, que estava embriagado e não conseguiu
praticar o ato. Mentiu por “amor-próprio”, ressaltou o auditor do inquérito –
uma junta médica da FEB confirmou, sete dias depois, a violência praticada por
Adão. Aos médicos, Giovanna disse que foi “tomada pelo terror”.
Após isso os soldados voltaram para o acampamento de sua unidade. Na saída de
Madognana, Luiz Bernardo deixou cair um cachecol e uma lanterna e Stefano os
achou.
Já no dia seguinte o irmão de Leonardo Vivarelli vai ao encontro de oficiais
da FEB e apresenta uma queixa dos crimes praticados. Ele entregou no
Quartel-General da 1.ª Divisão de Infantaria Expedicionária, em Porreta Terme,
cidade cercada por montanhas controladas pelo exército nazista, os materiais
encontrados por Stefano. Detidos, os acusados confessaram tudo e eles são
prontamente presos pela Polícia do Exército.
Embora ressalte a embriaguez, forma de evidenciar o desrespeito às normas
militares, o processo destaca que o crime ocorreu logo após o jantar, não
deixando claro quando e quanto tomaram de vinho.
Ouvido no inquérito como testemunha, o cabo Renan Alves Pinheiro disse que,
na tarde do dia do crime, os dois soldados na verdade perseguiram Giovanna pelo
vilarejo. Perguntados se podiam justificar sua inocência, Adão e Luiz Alberto
ficaram em silêncio. O advogado deles, 2.º tenente Bento Costa Lima Leite de
Albuquerque, chegou a afirmar que não houve crime doloso pois Giovanna não teria
reagido.
Os dois soldados foram celeremente julgados pela justiça militar brasileira,
que na época possuía o Conselho Supremo de Justiça com sede em Nápoles. O
auditor do inquérito, tenente-coronel Eugênio Carvalho do Nascimento, condenou
os dois à morte por matar um homem para garantir violência carnal. Consta que os
dois envolvidos possuíam históricos que registravam prisões por embriaguez e
saídas sem autorização do quartel.
Na reportagem publicada no jornal paulistano O Estado de São Paulo, edição de
domingo, 25 de agosto de 2012, comemorativa aos 70 anos da participação do
Brasil na Segunda Guerra Mundial, o repórter Capixaba, Leonencio Nossa,
atualmente trabalhando na sucursal de Brasília do jornal O Estado de São Paulo,
informa que uma dezena de estupros foram praticados por pracinhas na Itália. Mas
apenas o caso de Adão e Luiz Bernardo foi julgado devido aos assassinatos. O
jornalista não aponta detalhes.
O Gen. Morais (centro) junto a oficiais aliados – Fonte
– FGV-CPDOC
Desde o dia 6 de novembro de 1944, quase quatro meses após a chegada da FEB
na Itália, o Quartel-General do general Mascarenhas estava na pequena cidade de
Porretta-Termi. Deste ponto o bravo general comandou o primeiro dos cinco
ataques que iriam tomar Monte Castelo dos alemães, fato ocorrido somente em 21
de fevereiro de 1945. Como estes dois homens faziam parte da guarda do general
Mascarenhas de Morais, imagino o quanto deve ter sido difícil para o comando da
FEB, em meio aos inúmeros problemas relativos aos combates de Monte Castelo,
saber que dois membros da sua guarda pessoal estavam envolvidos em homicídio e
estrupo.
PENA CAPITAL
Segundo o trabalho da historiadora Carolina Mendes Pereira, no caso dos
soldados Adão e Luís, o crime de estupro por eles cometidos estava descrito nos
artigos 192 e 312 do Código Penal Militar vigente em 1944, isto é, código das
normas aplicadas aos crimes cometidos na guerra.
Os artigos acima mencionados apontam que:
Art. 192. Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça: Pena – reclusão, de três a oito anos.
Art. 312. Praticar qualquer dos crimes de violência carnal previstos nos
arts . 192 e 193, em lugar de efetivas operações militar: Pena – reclusão, de
quatro a doze anos.
Parágrafo único. Se da violência resulta:
Lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de oito a vinte
anos;
Morte: Pena – morte, grau máximo; reclusão de quinze anos, grau
mínimo.
A historiadora aponta que no caso da execução da pena capital em crimes
militares ocorridos em tempo de guerra, a pena seria realizada através do
fuzilamento do culpado. Se ela é imposta em zona de operações de guerra, pode
ser imediatamente executada, quando exija o interesse da ordem e da disciplina
militar.
Artilheiros da FEB na Itália. Todos os soldados
brasileiros estavam sujeitos a rígidos códigos militares
Carolina Pereira mostra que um total de 66 sentenças foram proferidas contra
militares brasileiros da FEB, sendo que metade foi lavrada na Itália e outra
metade no Rio de Janeiro. Das 33 condenações conhecidas na Itália, duas foram
proferidas em Pisa, 14 em Pistóia, sete em Pavana, duas em Vignola e oito em
Alessandria. A primeira destas condenações ocorreu em Pisa, em 2 de outubro de
1944.
Já em relação ao caso aqui comentado, a historiadora aponta que pela justiça
militar, Adão e Luís deveriam ter sido sumariamente fuzilados na própria frente
de combate.
Pelotão de fuzilamento americano, executando um
colaboracionista dos alemães
Na análise dos documentos do processo, percebe-se no texto de um dos votos
dos membros do Conselho Supremo de Justiça Militar, que a execução da pena de
morte destes dois elementos na frente de combate era aceita. Vemos isso
claramente no Diário de Justiça, Ano XX, março de 1945 – Sentença de Pena de
Morte em tempo de Guerra, apelação nº 21, da 2º auditoria militar da 1º D. I.,
cujo relator, o general Boanerges Lopes de Souza, assim se pronunciou em 6 de
março de 1945:
“Votando, como voto, pela confirmação da sentença, defendo a honra do
Exército e a própria civilização brasileira. Não fossem os embaraços opostos
pela moderna legislação, estou certo de que o comandante das forças brasileiras
na Itália teria, com grande proveito para a boa ordem de suas tropas, feito
fuzilar, sem quaisquer delongas, esses criminosos.”
SOFRIMENTO DAS MULHERES NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
O hediondo crime de estrupo durante a Segunda Guerra Mundial foi quase um
lugar comum em todas as frentes de combate, praticado por todos os envolvidos no
conflito e pouco apresentado nos filmes de guerra estrelados por John Wayne e
companhia.
Nas guerras as mulheres civis normalmente se tornam
alvos fáceis para diversas práticas de violências – Fonte – AP Photo
Segundo o site progettolineagotica.blogspot.com (http://progettolineagotica.blogspot.com.br/2009/06/stupro-di-guerra-lonu-scopre-una-nuova.html
), entre 1943 e 1945 as normalmente belas mulheres italianas foram duramente
atacadas em seu país.
Na região onde existia o setor de defesa alemão denominado “Linha Gótica”, em
seis meses do ano de 1944, em particular em torno Marzabotto, bem como nos
Apeninos, Ligúria e Piemonte, foram registrados 262 casos de estupro realizados
pelos chamados de “Mongóis”, os desertores soviéticos de origem asiática, que
passaram a servir no exército alemão.
Mas as italianas, tal qual a mulher atacada pelos brasileiros Luís e Adão,
sofreram igualmente nas mãos de tropas aliadas. Segundo este site, entre 15 e 17
de maio de 1944, os soldados coloniais franceses que chegaram à cidade de
Esperia, antiga sede da 71º Divisão de Infantaria da Wehrmacht (Exército
Alemão), protagonizou o estupro contra muitas mulheres que chocou os comandantes
aliados.
Está mais do que marcado no imaginário popular como os
russos trataram as alemãs em 1945. Mas muitos apontam que eles apenas repetiam o
que as tropas de Hitler haviam protagonizado com as mulheres russas
Até mesmo nas forças armadas norte-americanas houve inúmeros destes casos. A
maioria das ocorrências de pena de morte envolvendo tropas americanas durante a
Segunda Guerra Mundial ocorreu devido a estupros ou assassinatos contra
mulheres, a maioria delas alemães.
De acordo com documentos no Arquivo Nacional daquele país, só no teatro de
guerra europeu, o exército dos Estados Unidos condenaram 443 de seus próprios
soldados à morte por crimes de guerra. Destes 96 foram executados, a maioria
pela forca. O número total de soldados americanos executados em todas as frentes
de combate durante aquele conflito foi de aproximadamente 300.
Corpo do soldado americano Eddie Slovik sendo retirado
após seu fuzilamento. Sua condenação foi por deserção
Para os americanos a desonra envolvida nestes casos era uma coisa era tão
séria, que aqueles que foram executados estão enterrados fora de seus vários
cemitérios militares. As autoridades militares se recusaram a dar a estes
criminosos o privilégio de serem enterrados ao lado dos que caíram em
combate.
Um caso típico envolve o estupro de uma mulher italiana na Sicília. Quatro
membros de uma unidade de soldados negros que havia desembarcado na invasão
daquela ilha italiana em 9 de Julho de 1943, entraram uma tarde na pequena
aldeia de Marretta, perto da cidade de Gela. Lá David White, Armstead White,
Harvey L. Stroud, e Willie A. Pitman, estupraram e surraram seriamente uma
mulher italiana diante de seus familiares. Mais tarde todos os quatro foram
julgados e condenados por estupro. Em pouco mais de um mês todos quatro
militares foram sumariamente executados por enforcamento.
DE VOLTA AO BRASIL
Mas voltando ao caso dos brasileiros Adão e Luís. Consta que estes foram
enviados para uma prisão em Roma, destinada a receber os sentenciados a morte
pelas forças aliadas e ali aguardaram o destino.
O ex-pracinha Luís, diante da imagem de sua santa padroeira, Nossa Senhora das Graças
Segundo os dois condenados, teria sido um “Cardeal”, do qual não é citado o
nome, que conseguiu transformar a pena dos dois brasileiros em 30 anos de
prisão. Não encontrei nada que corroborasse esta afirmação da entrevista feita
pelo jornalista Hélio Fernandes, mas é certo que eles não morreram diante de um
pelotão de fuzilamento.
Relação dos militares sentenciados da FEB, trazidos no
navio Pedro I
Em julho de 1945 os dois foram então embarcados no navio brasileiro Pedro I,
junto com outros 900 pracinhas. Durante a travessia oceânica eles ficaram sob a
guarda da Polícia do Exército, que além dos soldados Adão e Luís custodiavam
outros 54 condenados. Constavam da lista um segundo tenente dentista, um
suboficial, um sargento, três cabos e os outros eram soldados (ver a relação
completa acima, retirada do jornal carioca “Correio da Manhã”, pág. 9, edição de
quarta feira, 25 de julho de 1945).
Segundo a historiadora Carolina Pereira, em 3 de dezembro de 1945, o
presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto 20.082, que concedeu indulto a todos
os integrantes da FEB que cometeram crimes durante a Segunda Guerra Mundial,
excluindo os crimes de natureza gravíssima ou infamante, como os praticados por
Adão e Luís.
Já no Rio de Janeiro os dois passaram a cumprir os 30 anos de pena na então
conhecida Penitenciária Central do Distrito Federal, antiga Casa de Correção,
que em 1957 seria batizada como Penitenciária Lemos de Brito.
Segundo a reportagem Adão e Luís tinham bom comportamento, eram respeitados
pelos companheiros de cadeia e não criavam problemas para o Diretor Castro
Pinto. Como mostra de boa conduta naquele recinto penitenciário, ambos possuíam
um distintivo no formato de estrela que envergavam no peito
Em 1949 eles aguardavam um indulto presidencial, que havia sido positivamente
recomendado pelo Conselho Penitenciário do Distrito Federal . Mais tarde o
processo de indulto restituiu a liberdade aos ex-pracinhas.
Após deixar qualquer prisão, após o cumprimento de qualquer pena imposta, o
antigo sentenciado está livre para conviver novamente com a sociedade. Mas no
caso destes homens, aparentemente o fardo foi muito grande.
Segundo a reportagem de Leonencio Nossa, os dois ex-soldados da FEB morreram
na década de 1990. Consta que Adão vivia solitário, andava em dificuldades. Anos
depois da guerra, foi acusado de furto. Na audiência, o juiz perguntou se já
havia sido processado. “Fui condenado à morte.” O juiz se assustou: “Que
história é essa? Brasil não tem pena de morte”.
CONCLUSÃO
A historiadora Carolina Pereira aponta que a guerra não produz só heróis. Os
conflitos constroem e desmascaram monstros, embalam pesadelos, dão visibilidade
à parte mais vil e desumana do ser humano.
As guerras não são apenas constituídas de batalhas, mas, também, de
incessantes horas de espera e vigília dos atores, direta ou indiretamente, no
front, remete à possibilidade da existência de um convívio social.
Os combatentes interagem não só dentro do próprio corpo do exército, mas
também com a população local onde estão alojados. Pode-se dizer que nestes
cenários são travadas outras batalhas em que tais populações recebem o
rebatimento das condições físicas e emocionais dos militares. Para a
historiadora a população civil também é vítima do estado de guerra.
Joel Silveira na FEB
O falecido jornalista Joel Silveira, correspondente de guerra brasileiro na
Itália, deixou registrado em um recente documentário produzido pelo repórter
Geneton Moraes Neto, que na retaguarda as brutalidades podem ser piores do que
na frente de combate. E realmente ele tinha razão. Naqueles dias em solo
italiano o ato sexual era mercadoria de troca, pois a miséria e a devastação
causada pela guerra fizeram com que a população local trocasse o corpo por
comida e proteção.
Sabemos que todas as instituições militares em combate estão sujeitas a
possuírem em suas fileiras, por mais que existam ótimos critérios de seleção, as
chamadas “maçãs podres” e no caso da FEB não foi diferente. Mas percebemos, ao
remeter-se a realidade enfrentada pelos soldados brasileiros em solo italiano,
que a incidência de crimes de violência sexual no meio de nossa tropa pode ser
considerada pequena porem marcantes de forma traumatica as vítimas dessas ações bestializadas por soldados que se dizem defensorem da liberdade.